Atendimento Particular e Convênio: O Que Diz a Ética Médica Sobre Diferenças na Agenda?

Imagine a seguinte situação: um paciente liga para agendar uma consulta médica e descobre que, pelo plano de saúde, só há vaga daqui a 20 dias — mas, se for atendimento particular, há horário para o mesmo dia. Essa prática, cada vez mais comum, tem levantado dúvidas entre profissionais e pacientes: ela é legal? É ética? Pode gerar responsabilização?

Em artigo publicado pelo presidente do Conselho Federal de Medicina, José Hiran Gallo, no portal CFM (Conselho Federal de Medicina), o tema foi discutido em profundidade, com base no Código de Ética Médica, na Lei dos Planos de Saúde e em pareceres de Conselhos Regionais.

Neste artigo, comentamos os principais pontos levantados e explicamos como o profissional da saúde pode organizar sua agenda médica de forma ética, legal e transparente.

O Que Diz a Legislação e o Código de Ética Médica?

Segundo o artigo do presidente do CFM, o profissional médico tem autonomia para definir sua agenda e os dias destinados a atendimentos particulares ou por convênio. Contudo, essa autonomia não pode ferir os princípios éticos da medicina, especialmente no que se refere à igualdade no atendimento.

A Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) autoriza o médico a atender tanto por convênio quanto de forma particular, sem obrigatoriedade de exclusividade. Porém, ao se vincular a uma operadora, ele assume compromissos contratuais que proíbem qualquer discriminação entre pacientes, seja por motivo de remuneração, urgência ou prioridade de agendamento.

O Código de Ética Médica reforça que o profissional não pode oferecer condições diferentes de atendimento a pacientes com base em sua forma de pagamento. Isso inclui, por exemplo, antecipar consultas particulares em detrimento de convênios, se ambos os pacientes buscarem o mesmo serviço e forem atendidos pela mesma estrutura.

Quando a Conduta Pode Ser Considerada Irregular?

O problema ético surge quando o médico condiciona a oferta de vaga imediata ao pagamento particular, sem transparência ou justificativa razoável. Essa prática pode ser interpretada como:

  • Discriminação indevida entre pacientes;

  • Indução ao atendimento particular;

  • Mercantilização da medicina;

  • Infringência de cláusulas contratuais com a operadora de saúde.

Pareceres emitidos por Conselhos Regionais de Medicina — como Distrito Federal (Parecer 43/2014), da Paraíba (Parecer 24/2007) e de Minas Gerais (Parecer 210/2017) — condenam a conversão disfarçada de atendimentos de convênio em consultas particulares, principalmente quando há informações enganosas ou ausência de agenda justificada.

Como o Médico Pode Organizar a Agenda de Forma Legal?

A recomendação dos conselhos é clara: o profissional pode sim reservar dias específicos para cada tipo de atendimento, desde que:

  • Haja transparência com o paciente e com a operadora;

  • Essa organização não prejudique casos de urgência;

  • Não exista dupla cobrança pelo mesmo atendimento;

  • Não se estabeleça prioridade com base exclusivamente comercial.

Ou seja, o médico pode, por exemplo, atender planos de saúde nas segundas e quartas, e atendimentos particulares nas terças e quintas, desde que isso esteja comunicado de forma clara e respeite os compromissos com as operadoras.

Propostas Legislativas Estaduais: Podem Proibir?

Alguns estados aprovaram leis proibindo a priorização de atendimentos particulares por médicos credenciados a planos de saúde. No entanto, conforme destacado na matéria do CFM, essas legislações são contestadas por possíveis violações à Constituição, que determina que apenas a União pode legislar sobre o exercício profissional.

Assim, embora possam ter boa intenção, essas normas estaduais podem ser consideradas inconstitucionais, ao restringirem de forma indevida a autonomia médica, garantida pela Constituição Federal.

Equilíbrio, Ética e Transparência

O tema é sensível e exige responsabilidade profissional. Médicos têm o direito de definir sua agenda e precificar seus serviços, mas devem agir com ética, igualdade e respeito ao paciente.

Organizar a agenda por modalidade de atendimento é legal, desde que feito com clareza, sem coação e com respeito ao Código de Ética Médica e aos contratos firmados com as operadoras.


Fontes e Referência:

Artigo original: José Hiran Gallo, presidente do CFM – “O agendamento de pacientes: questões éticas e legais”
Disponível em: cfm.org.br